Vivemos dias frios no que concerne a sociedade e também ao indivíduo. O amor em contingência e todos os sentimentos sublimes na ação vitalícia da vida estão estacionados em setores específicos da existência de cada pessoa, tudo é fragmentado, vendido e rentável.
Na época do iluminismo pensava-se que o homem alcançaria sua maturidade mediante a total racionalização. De fato a partir daí vê-se um progresso exponencial na humanidade. Como, por exemplo, seu sistema econômico. Porém seu radicalismo em conceitos mecanicistas e rigidez intelectual se mostraram ineficazes contra a pulsão humana.
Do irracional se cria o racional?
Abandonou-se o obscurantismo, mas paradoxalmente o mesmo iluminismo torna o homem obscuro em sua ação na própria modernidade.
Nesta profunda razão humana descobre-se o daimon.
Estou por isso subestimando a humanidade? Não, em absoluto! A constatação é grave, mas fiel. O homem sem propósito é caos. Se abandonar a transcendência pela imanência vê-se perdido, posto que o “eu” por si mesmo é dono apenas de seu nariz. Ainda estará longe do Everest e das profundezas do Iceberg.
Mesmo na gana por poder ser o Ser perante o rebanho, o “eu” maior, produtor de transvalorações e conceituações perde-se em si mesmo e já não é mais fiel à realidade.
O desencanto se inicia onde termina a visão e começa a busca pela sobrevivência. Na eminência do sustentável, joga-se nas regras do jogo. Assim se aceita a vida do manicômio.
O louco não abandonará sua ilusão, não confrontará a vida e será apenas um organismo de processos interiores puramente aleatórios de seu caos subjetivo. Justificará seu gênio e viverá negando tudo que confronte o Vazio, preenchido de entulhos pós-modernos.
O daimon é menino brincando com bugigangas da burguesia. Ele não te deixará ir. Os portões foram todos fechados o caminho é um círculo e nele o homem moderno caminha sem parar.
Na verdade ele corre e nunca alcança, porque o que ele busca está fora dos portões. Fará novas trilhas e alianças, se aventurará no círculo, mas no final voltará para o mesmo lugar. Esse é o deus que não aceita sua condição dimensional e o mundo como ele é.
Verá os campos brancos fora dos portões e terá medo que seu corpo seja enterrado ali simplesmente porque queria estar e não ficar.
O mundo tem sido como um hospício e o louco vive feliz quando se promulga a condição alienante de sua fantasia via animalidade. Melhor é não ver, melhor é não saber.
Já no desalienado a loucura é mais profunda e a cegueira pode ser maior quando este mergulha na escuridão de seu self.
A melhor maneira de ficar cego é contemplar uma luz muito forte.
O daimon de luz te cegará no caminho redondo do eterno retorno, ele sempre volta pro mesmo lugar. O homem não deixará de ser humano, é o mesmo e sua imanência pura ilusão no big crunch. Sua natureza nada tem de moralizante.
Mas quem sabe a visão de um verdadeiro visionário se supere. Ela deve suportar tudo, do contrário se provará falsa.
O deus monarca morreu no iluminismo?
Não! Muito antes disso. Ele morreu quando do vermezinho de Jacó surge um rebento.
Na nobreza de um rei e no espírito de um carpinteiro, enquanto ele desce, nós subimos. Ali no monte do calvário, para encontrá-lo. Já entrou numa poça de lama pelo seu cordeirinho. Seus pés reais estão feridos de pedras, sua coroa é um arco de espinhos.
Quem é o messias judeu senão um homem da verdade e de verdade?!
O ilusionista nos enredou em sua entranhas celestiais? Ora, quem é o ilusionista? Quem é que costuma mentir?
Como ser verdadeiramente louco se de fato devemos ser loucos? Quem te atribui normalidade tem apenas os mesmos sintomas de loucura do qual você padece.
Eu padeço de minha loucura e não importa se ela é estranha demais desde que seja real. Nada menos que o real. Nada menos que a verdade. Nada menos que a existência. Nada menos que a vida. Nada menos que a liberdade. Nada menos que um espírito criativo. Nada menos que um fujão que de tanta molecagem pula os portões da limitação e foge da normalidade dos circundantes. O trabalho é o ócio e o ócio não será cadeia. Meu corpo correrá livre do senso comum sendo mais simples que uma pomba e sagaz como a serpente.
Eis o mutante do qual estou me transformando. Talvez isso não seja tão bonito ou espetacular, decepcionante para alguns, mas desde que seja vida em meus ossos poderei dar meu grito de liberdade no dia do Senhor.
Mas como podes acreditar nesta estúpida linearidade?
De fato não sei crer por mim mesmo, mas de uma coisa eu sei, isso não é mera linearidade. O Sim foi dado antes da fundação do mundo.
Ó poderoso tempo, ó poderosa vida, sois as testemunhas fieis de que o Todo surgiu do Nada deste Alguém. São milhares de milhares de milhares, esta é minha submissão como se fosse minha e pertencesse a mim antes de meu Precursor. Os falsos e mentirosos a muitos enganarão, mas a pequena lâmpada da virgem com seu precioso óleo se manterá acesa. Então a Terra se encherá do conhecimento de Deus como as águas cobrem o mar.
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